A saga de um supersticioso


O senhor Augusto de Campos era um senhor de quase setenta anos. Eu digo era, porque não o é mais, ou seja, faleceu. O que chama a atenção na história desse senhor é o seu lado supersticioso ou, melhor dizendo, a sua superstição. Obviamente que ele possuía diversas outras qualidades que poderíamos enumerar por várias páginas, como o seu senso de justiça social, a sua caridade e mais uma multidão de qualidades. Mas eu prefiro falar de sua atribuição mais peculiar, seu misticismo.

Não por acaso o senhor Augusto de Campos era bastante ligado a isso. Ele nasceu no dia 13 de um mês qualquer, em uma sexta-feira, exatamente às 13h de 1913. Seria muita coincidência? Qual a probabilidade de esses acontecimentos terem ocorridos de forma casual? Bom, eu não sei dizer porque não sou bom de matemática, afinal, sou um escritor, apenas, mas, de acordo com um amigo, as probabilidades seriam ínfimas, quase zero, ou seja, não acredito que seja algo casual, mas algo providencial, não sei de quem, mas de alguém foi. Continuemos o relato, que é o mais curioso.

Como percebido, o 13 era uma constante na vida do senhor Augusto. Para muitos o 13 era sinônimo de azar, mas para ele não. Tudo o que fazia tinha que ter um 13. Casou-se 13 vezes. Teve 13 filhos, vinte e seis netos e trinta e nove bisnetos. Ele dizia com muito orgulho que, para cada geração, havia uma multiplicação. Construiu treze casas ao longo de sua vida. Conseguiu adquirir 13 riquezas, e por aí em diante.

A bem da verdade, muitas vezes ele fazia questão de parar de fazer alguma coisa quando estava no 13. Certa vez estava jogando poker, e quando havia ganhado 13 vezes em uma noite, resolveu parar. O leitor interessado pode pensar que ele saiu lucrando bastante, afinal, ganhar 13 vezes é muita coisa. Porém, o que eu fiquei sabendo posteriormente, foi que ele ganhou 13 vezes, mas perdeu 39 vezes, ou seja, saiu no prejuízo! Isso ele não dizia. Gostava apenas de contar as vezes que o 13 lhe trouxe sorte.

Mas, como tudo tem duas faces, se o 13 lhe trazia sorte, o gato preto lhe trazia um imenso azar. Todas às vezes que lhe acontecia alguma coisa ruim, o diabo do gato preto estava por perto. Então, toda vez que via um, começava a se arrepiar, porque jurava que iria lhe acontecer alguma coisa.

Quando chegou em casa, em sua primeira casa, e descobriu que sua esposa, sua primeira esposa, havia ido embora com o leiteiro, foi para a rua louco da vida, tropeçou em um litro de leite e caiu sobre o líquido branco. Quando levantou-se, o que ele viu? Um gato preto! Que lambia o leite e dizia:
__ Miau!

Quando perdeu sua segunda casa no jogo, ele perdeu para um sujeito que tinha um bichano de estimação, e qual era? Um gato preto! Quando aconteceu... Vamos deixar para lá tantos outros acontecimentos envolvendo o pobre bicho preto, o que importa mesmo é que o senhor Augusto de Campos possuía um enorme medo de gatos pretos.

Coincidência ou não, novamente, toda vez que acontecia algo grave de errado na vida do pobre senhor, havia um gato preto por perto, e, quando acontecia algo de bom, havia um 13 na jogada.

Sua alienação a respeito dos gatos pretos é bem antiga e começou com o esquisito Papa Inocêncio VIII, que mandou queimar todos os gatos pretos, acusando-os de serem a representação do mal. Então, isso foi passando de geração a geração e, como o pai deste nosso senhor era muito católico, Augusto pegou muita influência de tal misticismo.

Até aqui não há nada de novo. Apenas demonstramos os misticismos desse gracioso senhor, que jaz há algum tempo. A situação mais engraçada, ou triste, foi a que narro a partir de agora. Foi ele mesmo quem me contou, quando fui visitá-lo na... Bom, não vou contar por agora. Mas fique atento, meu leitor, que saberá em breve.

Certa vez, esse nobre senhor estava passeando por uma cidadezinha do interior de Minas Gerais. Essa cidade possuía uma fama mundial de ser um grande depósito de diamantes. O seu Augusto foi até lá negociar algumas pedras, haja vista que era um empresário do ramo de pedras preciosas e, no tempo livre, viciado em jogos, por isso sua fortuna oscilava tanto, mas, por enquanto, isso não vem ao caso. Ele passeou bastante pela cidade antes da reunião marcada para às 13h. Estava hospedado em uma pensão simples, mas bem confortável. Daquelas com todos os móveis de madeira rústico, com cheiro de alfazema. Fazia um friozinho bem gostoso naquela época, e ele, como sempre, estava bem vestido, de terno e gravata. Era um terno preto. Possuía um chapéu bem grande e um bigode inteligente, no qual gostava de fazer voltas nas pontas. Levava consigo uma bengala, apesar de quê não precisava dela. Gostava de tê-la sempre em seu braço esquerdo. Achava charmoso, coisa de época.

Almoçou, naquele belo dia, uma sexta-feira 13 e, faltando 13 minutos para o encontro marcado, dirigiu-se ao local definido. Estava alegre, quase flutuando, afinal seu número de sorte estava batendo em todos os lados. Toda vez que ele sentia aquela sensação, as coisas davam certo para ele.

Estava o senhor Augusto de Campos caminhando pelas velhas e bem tratadas calçadas da cidade mineira, alegre e sorridente. Cumprimentava a todos. Quando chegou a um cruzamento, foi virar à direita e eis o quê vê? Isso mesmo leitor, um gato preto! O bichano estava parado sobre uma lata de lixo observando o movimento da rua. O Senhor quase teve uma parada cardíaca. Levou um grande susto e deu um passo para trás na mesma hora em que viu o bichano, o qual dizia, olhando-o fixamente;

__ Miau!
Augusto deu um grito de horror, e isso fez com que todos olhassem para ele para saber o que estava acontecendo. Um jornaleiro que estava perto se aproximou e perguntou o que era. O diálogo foi mais ou menos assim:
__ Senhor, está tudo bem?
Augusto gaguejava, olhando de lado e fechando os olhos sem olhar para o felino.
__ Me diga que não tem nada ali em cima. __ Disse, apontando para o gato com sua bengala e trêmulo.
__ Alí onde meu senhor?
__ Alí! __ Apontava mais intensamente para o gato, que continuava a olhá-lo sem nenhuma pretensão de se mover.
__ Sobre a lata de lixo?
__ É!
__ Ah..., Mas é só o pretinho.
__ É um gato preto?
__ Claro que é senhor, um gato preto. O nosso pretinho.

Ele foi virando os olhos para o bicho, fazendo cara de repugnância e disse, afastando-se um pouco mais.
__ Meeeeu Deus! O que este monstro está fazendo aqui me olhando?
__ Monstro? O senhor enlouqueceu? Não há gato mais doce nesta cidade do que o pretinho. __ O jornaleiro pegou o gato, que cedeu sem nenhuma força, e o colocou sobre seu peito. Era grande e gordo. Miava cinicamente.

Augusto deve ter perdido a sã consciência neste momento. Ele se voltou pro gato, bem pertinho dele, nariz com focinho e disse bem baixinho, bem íntimo.
__ Olha aqui seu monstro, eu sei por que você está aqui. Mas você não vai atrapalhar os meus planos, entendeu?

O gatinho olhava para ele com olhar inocente e dizia:
__ Miauuuuu...
__ Você pode fazer o que for, mas não vai me atrapalhar hoje não. Hoje eu vou vencer.

O gato pulou dos braços do jornaleiro, o que fez com que o senhor Augusto desse um pulo para trás. Ele se colocou na calçada, na frente do pobre senhor. Estava se lambendo e sem vontade alguma de sair do meio do caminho.
__ Seu monstro, saia daí! __ Disse Augusto, agora em um nítido combate.
__ O senhor está louco? __ Perguntou o jornaleiro sem entender aquela situação.

Augusto se virou para ele e disse.
__ Por favor, mande este monstro sair do meu caminho que eu quero passar. Eu tenho uma reunião às 13h e faltam 5 minutos. Tire ele daí.
__ Tirar o pretinho do meio da calçada? Porque o senhor não passa do lado?

Augusto de Campos estava imóvel diante do jornaleiro. Para ele era um absurdo ter que desviar seu caminho por causa daquele felino.
__ Eu não posso. Este animal vai estragar a minha tarde.

O jornaleiro se encostou na janela e disse, cruzando os braços.
__ Eu quero saber como esse pobre animal pode estragar a sua tarde. Ele não faz nada com ninguém. Como eu disse, é o gato mais manso de toda a região.

E o gato continuava a se lamber. Então o senhor Augusto tomou coragem, devido à sua importante reunião, e resolveu passar de lado. Deu um passo em direção ao meio da rua, para não incomodar o bicho e, assim, foi caminhando, bem devagar. Parecia que estava andando com sapatinhos de algodão. O miserável do gato, vendo a esperteza do velhote, também andou para o lado, colocando-se na frente dele e parando, para o espanto do velho. Ele colocou sua maleta em seu peito, abraçando-a e fez uma cara de assombrado. O gatinho continuava:
__ Miau! __ E não parava de se lamber.

Augusto deu mais um passo para o lado e foi seguido pelo gato. Deu mais um outro passo largo e o gato, miserável!, andou como quem não queria nada, sentou no meio da rua e ficou olhando para o velhote como se dissesse:
__ Aqui quem manda sou eu!__ E dizia; __ Miauu…

Todo os pedrestes que passavam não entendiam nada do que estava acontecendo. Já estava passando das 13h, então Augusto respirou fundou, baixou a maleta e disse para o gato preto, apontando-lhe sua bengala bem tratada, como se estivesse negociando com alguém.
__ Senhor gato preto. Eu sei que quem manda aqui é o senhor, tudo bem? Mas eu preciso passar. Tenho uma reunião que está começando agora mesmo, então, por favor, o senhor poderia se retirar da minha frente?

O gato olhava para ele e dizia:
__ Miauu...
__ Ok! Eu vou contar até 13 para o senhor sair da minha frente. Se o senhor não sair eu vou passar por cima, tudo bem?

Todo mundo parou para ver a cena: um distinto senhor, no meio da rua dialogando com um gato. Então começaram as delicadezas.
__ Sai da frente seu imbecil, quero passar sôr!
__ Uai, o que esse zé tá conversando com o pretinho?

Augusto continuava e não dava ouvidos ao que lhe falavam.
__ Já tem um monte de gente falando merda, o senhor vai sair ou não vai?

O gato continuava impassivo diante dele. Parecia que o bichano estava mesmo possuído, de tanto atrevimento que tinha. A paciência de Augusto já estava no fim, então ele olhou o relógio e viu que já tinha perdido a reunião. Pegou sua bengala e disse em alto som.
__ OLHA AQUI SEU MONSTRO. EU VOU TE DAR UMA BENGALADA SE VOCÊ NÃO SAIR DO MEU CAMINHO, ESTÁ OUVINDO?

A multidão murmurava “Ele vai bater no pretinho! Ele vai bater no pretinho!” Então quando ele ia dar uma bengalada na cabeça do bicho, dois policiais apareceram e foram para cima dele, derrubando-o sobre uma poça d'água suja. Sua bela roupa esmerada ficou toda enlamada.
__ O senhor está preso por tentativa de agressão ao animal.
__ O quê? __ Augusto estava incrédulo com o ocorrido. Aquele gato o fez perder a reunião e o fez ser preso.
__ Eu não fiz nada com esse gato. Foi ele quem atrapalhou a minha reunião.

O gato, diante do movimento, pulou no momento em que Augusto iria atingi-lo com a bengala. Quando o velho estava sendo conduzido para o carro da polícia, ele passou em frente a ele, parou e disse;
__ Miau!

Augusto não pôde fazer nada, apenas contemplar a vitória do gato preto, para o seu desespero.


Por mais que o senhor Augusto implorasse para que os guardas mineiros o libertassem, que era inocente, não teve jeito, e foi parar no xilindró, como é conhecido pelos mineiros. A cadeia da pequena cidade era habitada por ventos. Havia muito tempo que ninguém era posto lá, por isso os milicos queriam tanto aprisioná-lo.

Depois, foi levado ao juiz, e ele explicou toda a sua saga. Seus familiares apareceram, mas não teve jeito. O tal juíz sismou que nada era culpa do pobre gato preto. Então mandou prendê-lo no manicômio da cidade mais próxima. Foi lá que eu tive o prazer de conversar com aquele distinto senhor.

Ao final de sua vida, pelo que eu fiquei sabendo, morreu abraçado a um gato preto que lhe fazia companhia no mesmo dia em que faria aniversário. Como já estava bastante desgostoso com todos aqueles acontecimentos e, como fora abandonado por sua família, por ser taxado de louco, então já não via mais graça nas coisas, e o símbolo de seu azar acabou, por fim, virando seu melhor amigo. Nos últimos dias, ele conversava com o felino e dava altas gargalhadas, até que, em uma bela noite, adormeceu e não mais acordou. Era o fim de uma saga de misticismos. E há quem diga que sua morte ocorreu em uma sexta-feira treze e que o gato, seu último amigo, era o mesmo de todas as ocasiões.

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